Caros amigos,
a quantidade de questões relativas a auto-estima que tenho encontrado em minhas aulas e consultorias é tão grande, e tem me preocupado tanto, que resolvi colocar este texto do Psicólogo Antônio Carlos Alves de Araújo, para apreciação de vocês.
Um grande abraço,
Walden
AUTO-ESTIMA – UM ESTUDO
PSICOLÓGICO
Se
pensarmos numa primeira definição sobre à auto-estima, logo iremos nos debater
com a primeira contradição; o fenômeno que estaria relacionado ao amor
próprio do indivíduo, seu senso de capacidade pessoal e auto-respeito, está
totalmente condicionado a opinião alheia, ou imagem externa acerca da pessoa; o
que pensávamos ser um patrimônio exclusivamente íntimo, é visitado, revisitado
e alterado constantemente. Ficamos mais atônitos ainda, quando observamos
alguém com sucesso profissional ou material, mas que mostra uma debilidade
comprometedora no âmbito afetivo. Mas como é possível alguém que se elevou
tanto socialmente se desprezar sem nenhum senso de dignidade pessoal? A
resposta é sempre muito simples, quando o assunto é a pessoalidade parece que
estamos lidando com um acervo que nunca é concreto, por mais que o desejemos. É
como se num primeiro momento tivéssemos a certeza de possuirmos um “tesouro
próprio”, mas depois de um olhar cuidadoso sentir que há muito convivemos com a
certeza de uma pobreza de nossa alma.
Na
atualidade o sistema econômico tenta lucrar com dita problemática, levando ao
incremento de uma auto-estima doentia ou competitiva; como exemplos, cito a
estética ou culto desenfreado ao corpo, que representam uma tentativa de
reafirmar um complexo de superioridade numa personalidade que nunca soube
realmente encontrar seu valor próprio afora o gosto por se comparar. A
certeza de algo íntimo e inviolável parece ser não apenas rara, mas também uma
das coisas mais elitistas do ponto de vista psicológico. Quem detém tal
privilégio? Talvez aqueles que reneguem a competição e que fazem um esforço
para utilizarem suas habilidades não apenas para si próprios. O problema da
manutenção de uma auto-estima é se deparar com os conflitos causados quase que
diariamente pelo meio em que convivemos. Nosso temor ao ostracismo, solidão e
abandono, nos leva a desistir facilmente de um ideal ou meta estabelecida.
Não há um
terreno mais arenoso para a personalidade humana do que o lidar com a crítica.
A mesma pode suprimir ou abafar o que realmente era um grande potencial da
pessoa; por outro lado, sua ausência tolhe não apenas a criatividade, mas
também a possibilidade de uma mudança concreta. Novamente neste ponto o modelo
econômico reduz tal questão a elementos materiais ou estéticos. Alguns
conseguem sobrepujar tal ditadura silenciosa mantendo um certo carisma pessoal,
independentemente dos valores sancionados. A grande maioria opta por um
narcisismo que nada mais é do que um disfarce de sua miserabilidade pessoal.
Por mais teses que se discutam, a verdade é que todos aceitam o fato de que
algo é somente importante quando se transforma num produto que possa ser
explorado ou vendido. É o transporte pleno da questão econômica para o patamar
psicológico.
Muitos têm
a convicção de estarem realmente trabalhando para o incremento de sua
auto-estima, quando na verdade estão corrompendo a mesma, pois apenas estão
satisfazendo uma vontade criada socialmente de ser notada ou de destaque. A
auto-estima não pode ser reduzida ao temor de ser excluído; infelizmente é
exatamente neste ponto que se concentram todos os sacrifícios. A dualidade
de nossa era molda pelo menos dois tipos distintos: o primeiro já citado que
busca o narcisismo sancionado pela sociedade; o segundo acaba se tornando
retraído ou quase que totalmente solitário, como um protesto pessoal contra a
corrosão e hipocrisia nos relacionamentos. Mas como podemos medir ao menos de
um modo rudimentar nossa auto-estima? A medição se centra em quatro áreas
distintas:
· A crença de que possui um potencial próprio que
jamais pode ser violado como disse acima, mesmo que a pessoa não tenha obtido
determinada referência social de sucesso ou poder. Estes dois últimos estão
mais para a “sorte”, do que a aferição do potencial do indivíduo. A auto-estima
advém da capacidade de reter, aprender e elaborar determinado conteúdo, o
tornando prático para as necessidades da pessoa.
· A relação da pessoa com o meio em que vive, como
é permeada? Conflitos, cooperação, admiração, desinteresse, exclusão, sedução,
inveja, competição, ódio; quais destes elementos prevalecem?
· Em relação à afetividade e sexualidade sente ser
desejado, requisitado ou a atitude do meio é de total indiferença?
· A elaboração de um real sentido da vida da
pessoa.
Obviamente
este último tópico passa por questões um tanto filosóficas e até
transcendentais, e embora nenhum colégio até hoje ouse ensinar ou refletir com
a criança ou jovem o sentido de sua vida no contexto em que vive, salientando
apenas as normas competitivas, ainda assim devemos insistir num lado que jamais
trará lucro econômico, mas um regozijo pessoal por termos deixado algo na
criança e jovem além das doentias “regras do mercado”.
A
auto-estima diz muito mais da elaboração da frustração e rejeição do que correr
ansiosamente atrás de uma aceitação social. Não será difícil deduzir que
numa sociedade como a nossa a pessoa “feliz” é aquela que possui sempre algum
tipo de ferramenta para o recomeço. É um tanto estranho que poucos percebam
não apenas o sentido das coisas, mas a forma prática de estabelecer um campo
pessoal de saúde psicológica. Como exemplo cito a patologia da depressão. Há
anos tenho observado que uma neurose é controlada quando se ativa uma certa
vergonha, raiva ou pudor interno do indivíduo perante sua condição. O
prognóstico negativo da depressão é justamente quando tal fato não pode mais ser
obtido, sendo que o sofrimento se transformou num tipo de “profissão”. O que
estou tentando dizer é que os elementos sociais destrutivos, tipo a competição,
poderiam ser canalizados do ponto de vista psicológico, como um tipo de vacina
que em sua essência possui o veneno. Infelizmente nosso sistema não está nem um
pouco preocupado com todo o exposto. O coletivo ou o pensar social é
equacionado a derrocada ou miséria, pois o modelo vigente passa a fantasia do
destaque na questão privada. Tornar-se herói ou vitorioso é a droga que nos dão
desde o nascimento, e a hipocrisia social é um disfarce para que tal conceito
continue sendo passado.
É
importante neste ponto abrirmos uma discussão acerca do elogio. A psicologia
tem reforçado a importância do mesmo na formação do ego e amor próprio da
criança. Isto é indiscutível do ponto de vista constitucional da personalidade.
Porém, o psicólogo um pouco mais atento já notou que na prática clínica as
coisas se passam de modo diferente. A pedagogia sempre chamou a atenção para
uma espécie de profecia autocumpridora do educador em relação aos alunos, assim
sendo, quando o mesmo elogiava o potencial do educando observava uma melhora
significativa no desempenho escolar, assim como o reverso acontecia; baixo
desempenho quando não havia esse reforço. Embora novamente isto represente uma
verdade, no âmbito psicológico a coisa funciona de forma muitas vezes inversa. O
elogio ou reforço cria uma espécie de dívida entre as partes envolvidas;
conseqüentemente se ativa um mecanismo altamente neurótico de competir perante
a expectativa do outro; a conseqüência é o “gozo da contrariedade”, mesmo que
tal jornada conduza a pessoa ao caos. Quantos psicólogos poderiam relatar o
abandono da terapia por parte do paciente quando o mesmo efetuou determinado
progresso. É incrível como quase todas as escolas de psicologia omitiram tão
importante conclusão em suas bases teóricas e práticas. O elogio pode ser a
ferramenta suprema para a sabotagem de um ser que não deseja a responsabilidade
do crescimento. Quem duvida de tal conceito é só observar como determinados
namoros ou casamentos terminam no que poderíamos constatar de auge da relação,
sem nenhuma explicação mais contundente. Não se trata da propagandística
mensagem do medo à felicidade, mas de um mecanismo interno de poder neurótico
que visa coibir qualquer tipo de cooperação e troca. Mas o leitor mais
insistente ainda pode indagar como um elogio pode despertar um incômodo da
natureza citada? Mesmo que o reforço seja positivo, tal operação reforça
constantemente a inveja, o que é mais curioso ainda, pois a pessoa está sendo
elogiada e ainda assim mergulha neste sentimento sombrio; a perturbação é
saber que o outro é capaz de reconhecer ou transmitir alegria e êxtase no
contato humano, coisas extintas na pessoa que irá sabotar.
Em
praticamente todos os meus *estudos reforcei a tese de que o objeto central da
psicologia em nossa era, não poderia passar por uma questão acadêmica sobre se
a psicanálise ou as teses de SIGNUND FREUD ainda permaneceriam ou não válidas,
mas que o fundamental seria um projeto mental de profilaxia dos distúrbios
neuróticos e a retomada de uma qualidade de vida perdida em nosso meio
econômico e social. Seja a psicanálise, ou psicologia, todos irão falhar se não
observarem as reais instâncias do sofrimento psicológico atual.
Conseqüentemente qualquer projeto sério de psicologia deverá priorizar o grande
vilão de nosso tempo, que é a solidão. Posso afirmar que são raríssimas as
análises psíquicas sobre o tema. Além do mesmo remeter à esfera da essência da
humanidade, como a questão do abandono e morte, sua implicação passa por
praticamente toda a estrutura pessoal e coletiva do sujeito. A solidão não é
apenas uma fonte de sofrimento, derrota ou sensação de fracasso de potencialidades
individuais, afetivas e sexuais perante observadores externos; a essência de
tal fenômeno tem a peculiaridade de apagar ou dissolver qualquer êxito ou
realização externa que não pode ser testemunhada ou reforçada por determinada
pessoa. Neste ponto, finalmente chegamos a conclusão do lugar certo do
elogio. A solidão é a virose extrema que produzirá uma “septicemia” de todo o
núcleo psicológico positivo da pessoa; é uma morte lenta e antecipada do
desejo, assim como o incremento da sensação de expiração do tempo de vida.
Logicamente não desejo pregar que a saída de tal dilema passa por uma apelação
ou estabelecimento de um relacionamento qualquer, apenas quero enfatizar a
importância da questão. Talvez o ditado: “antes só do que mal acompanhado”,
seja uma das coisas mais sombrias que podemos refletir, pois as duas opções
dizem do fracasso extremo, sendo que a primeira é apenas uma racionalização da
mais pura insatisfação e infelicidade. Estar só é extremamente necessário do
ponto de vista da reflexão pessoal e auto-análise de nosso comportamento ou
conduta de vida. A doença advém no “ser só”, sendo um projeto neurótico em
longo prazo de distanciamento do outro, pelo temor à frustração que um
relacionamento possa acarretar.
As
justificativas do projeto de solidão pessoal passam pelas histórias de fracasso
ou sofrimento no âmbito afetivo ou sexual. A pessoa não deseja mais passar pelo
fantasma da perda ou rejeição, ou ainda almeja a vingança dessa situação
pretérita numa nova arena interpessoal. Será que apesar de tantos livros,
teorias, filosofias orientais e coisas do gênero, não conseguimos captar o
sofrimento que o apego nos impõe? Anteriormente assinalei que a solidão seria a
prioridade para um projeto psicológico na área da saúde mental, mas devo ressaltar
que o mesmo agrega outras questões. Se desejarmos realmente lidar com nossas
mazelas emocionais, três são as áreas de atuação que interferem de forma fatal
no psiquismo: narcisismo (defino como a loucura ou paranóia de que o meio não
aceite a pessoa, medo extremo da perda ou abandono, camuflados num projeto
egóico de pura vaidade); solidão (que já foi enfocada); e tédio (defino como
uma determinada meta alcançada de sobrevivência ou ganho econômico ou busca da
beleza, que não coloca o indivíduo num patamar de satisfação pessoal, pelo
contrário, revela a fragilidade e miopia de seus projetos íntimos).
Outra
questão popularmente associada à auto-estima diz sobre a importância de dizer
um “não”, sendo que muitas pessoas têm uma extrema dificuldade de efetuarem tal
coisa. O não muito mais do que um treino da auto-estima é uma ferramenta que
temos de aprender a usar para que o outro não atrapalhe o desenvolvimento
natural de determinado anseio ou desejo que se pretenda realizar. O quanto se
pode doar ou não ao outro dará a dimensão se estamos num caminho de crescimento
ou neurose. Todos já perceberam que há por parte de algumas pessoas uma espécie
de solidariedade com quem não deseja crescer, ou com determinado sujeito que
apesar de intensos avisos, teima em não corrigir pontos obscuros de sua
personalidade. Apesar das reclamações, a pessoa insiste em trabalhar por alguém
abertamente não merecedor dos esforços depositados. Na verdade esta
solidariedade com pessoas neuróticas sempre foi interpretada de modo errôneo,
pois se dizia que sua origem era o aparato cristão de tentar salvar o outro a
qualquer custo. A realidade é que alguém que se empenha em demasia por
depositar sua energia numa pessoa que não deseja responder, há muito se
encontra em déficit com sua própria satisfação. Não se trata meramente de uma
personalidade culposa, mas de uma projeção de uma baixa auto-estima no processo
compulsivo de tentar ajudar o outro. Quanto desperdício podemos produzir também
na esfera humana.
O tão
antigo conceito de mente e corpo saudável está reduzido à estética e alienação
social. O mais importante seria a aceitação plena de si próprio com uma
tranqüilidade para mudar o que se precisa, pois a mente ou o suposto corpo
saudável pode ainda dizer da comparação com um modelo vigente. O fato é que por
se viver pouco, muitos requerem aplausos intermináveis para seu ego. O próprio
histórico do desenvolvimento infantil dá a dimensão exata do que vem a ser a
auto-estima. A psicanálise centrou todas as baterias no famoso complexo de
Édipo, achando que o mais puro e genuíno esforço do ser humano seria a luta
pelo afeto exclusivo de um dos genitores. Infelizmente tal tese não percebe que
o conflito do Édipo nada mais é do que um treino ou etapa para algo muito
mais vasto. *ALFRED ADLER sempre assinalou que por trás do conflito familiar
havia o desejo de poder e controle do meio social. O embate familiar privado
era a primeira dimensão para a ferrenha disputa de poder que acompanha o ser
humano pelo resto de sua vida. Neste ponto me permito criticar
enfaticamente a psicanálise, pois o desejo central não é a primazia da
importância no núcleo familiar, mas tão somente garantir uma posição de
destaque. O amor dos outros, de estranhos, a devoção de alguém desconhecido,
é o gozo que habita os mais recônditos cantos de nossa alma. A fama ou
imortalidade diz do difícil desafio de conseguir e aprisionar o amor alheio.
O Édipo então é mera passagem para alguém que já esquematizou não apenas seu
narcisismo, mas também seu desejo de manipulação do coletivo. Todos somos
ditadores frustrados, e o modo como lidamos com nossa soberba é uma pista de
como anda nossa auto-estima ou saúde psíquica.
A fama,
poder e beleza nada mais são do que “férias” para todo tipo de conflito
psicológico ou problema relacionado à auto-estima, anulando
qualquer efeito negativo oriundo da personalidade do indivíduo. A busca dos
elementos citados é o atalho mais simples para se comprovar uma estima
claudicante. O irônico neste tema é o fato de que a pessoa que mais procura tais
elementos é justamente aquela que passou sua vida lutando contra si mesma. A
justa finalidade da fama ou poder seria a erradicação da timidez coletiva de
expor as fraquezas pessoais, e aprendermos um certo caminho para o crescimento
pessoal por parte de pessoas que não tiveram medo de se expor e registrar seu
processo pessoal. Com a licença devida do leitor serei enfático ao afirmar que
apenas existe uma única forma para aprender a se gostar: explorar os recursos
pessoais e que estes sirvam plenamente para ambas as partes envolvidas (a
pessoa e sociedade). A auto-estima é como uma orquestra sincrônica onde
talento, vontade, dedicação e amor interagem harmonicamente, sendo que não há
medo ou timidez de se expor nenhum dos elementos; deveríamos entoar tal cântico
diariamente. A auto-estima é o orgulho próprio no sentido positivo e de quem o
acompanha. Quem atinge ambas as metas poderíamos chamar de uma pessoa feliz e
serena; aquele que se atém apenas no primeiro chamaria de uma pessoa segura;
quem órbita somente no segundo se debaterá com os elementos da inveja.
Enfim, a
pergunta final e base dos mais de cem anos da psicologia é: como provar para
alguém seu potencial? Como fazer com que o outro tenha a intuição de nosso
olhar sobre sua cegueira interior, e tudo o que ainda não efetivou? Seria este
processo uma violência ou arbitrariedade contra a pessoa, ou sua libertação?
Qual a medida ou dimensão que podemos dirigir nosso esforço em função de alguém
que resiste em viver plenamente? Certamente não se trata de impor algo, até
porque isto sempre se mostrou impossível. O debate crucial não seria apenas a
discussão do fracasso de alguém, mas o aprisionamento deste sujeito num
emaranhado de atitudes que o desagradam diariamente. Todos gostam de filosofar
sobre o quanto realmente uma pessoa pode mudar, seria realmente possível?
Obviamente como psicólogo fui treinado a acreditar em tal fato, mas o mais
importante não é a questão da mudança em si, mas que todo o processo de
transformação seja de total domínio da pessoa, isto não significa a recusa da
ajuda, até porque estaria cometendo um contra senso perante minha profissão;
mas ensinar a pessoa que a receptividade jamais anula o valor interno, pelo
contrário, estimula todos os possíveis sentidos da percepção, sensibilidade e
humanidade.
Psicólogo ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO